domingo, 18 de outubro de 2009

Personal Toker

Marciuda foi à sua cabeleireira um dia, e ai pediu pra ela cortar apenas pontas de seus cabelos. Tipo um dedo apenas. Mas estava tão preocupada com o cabelo, que pediu pra cabeleireira ser muito cuidadosa e tirar apenas o que foi pedido:

- Frandainha, corte apenas um dedo das pontas de meu cabelo. Eu não quero perder o comprimento dele. Entendeu?!
- [olhando pra televisão] Pode deixar Marciuda, você vem aqui há um tempão, quando que eu fiz algo errado no seu cabelo?!
- Eu sei, mas como os americanos dizem, Shit happens! Vai que acontece algo.
- Magina menina. Comigo essa tal de Chita Répis ai não cola. Ce acha que eu sou igual a ela?!
- Ta bom! Ta bom! Desisto. Bem, se você não tomar cuidado eu corto um dedo seu pra cada dedo a mais que o cabelo estiver cortado. Falo sério. To nervo...
-[rindo doida] Hahahahaha... Ai que loucura, magina eu sem dedos.
-[com cara de: to bege] Leva a sério sua doida de pedra.

E então Frandainha convidou Marciuda pra sentar no lavatório pra lavar o cabelo. Assim feito, Marciuda sentou-se na cadeira em frente ao espelho, e pegou uma revista pra começar a ler, olhou pros atores mai-coisa-linda-de-meu-deus nas primeiras páginas. Todos sempre felizes naquelas festas de gente irradiante, com ar de a vida é uma firmeza total! Enquanto Frandainha penteava o cabelo e dava as primeiras retalhadas nas tais pontas. De repente a televisão interrompe a programação que estava sendo exibida, algo daquelas transmissões super extraordinárias que faz o pais parar pra ver qual foi o bafo da vez. E Frandainha nada curiosa pros bafo, como uma excelente cabeleireira que é, vidrou na hora pra caixa de luz com imagens em movimento. Marciunda fixou sua atenção mais um pouco mais na revista. Mas logo percebeu que vinha bafo, da boca esticada por um ótimo e carérrimo cirurgião plástico, da jornalista responsável pelos telejornais.

E então o que se deu era que em uma cidadezinha do interior do estado, chamada Emis Sor Aquer Dindin, apareceram bebês azuis, na porta de um hospital. Não sabiam como aqueles bebês teriam chegado ali, dezesseis bebês ao todo. E o hospital dizia que as crianças não podiam ser mostradas, pois estavam em observação na maternidade, as pontas dos dedos eram lisas, as crianças não possuíam digitais. E então a equipe do telejornall ficou plantada na porta do hospital pra saber se o hospital já tinha informação do porque das crianças serem azuis, e o hospital negava a informação de que isso seria fato, dizendo que desconhecia tal. Mas ai o telejornal ficou perguntando para a multidão, que logo se aglomerou ali, se eles sabiam o que estava acontecendo. E uma moradora vizinha do hospital, falou que tinha visto um enorme clarão no céu, e que logo ouviu gritos vindos do hospital, que pela fala parecia ser de uma enfermeira: ajuda aqui! Tem um monte de bebês ‘vão dar o que falar’ aqui na porta! Outro morador disse que tem a janela do seu quarto pra rua, e que morava ali desde criança, então tava acostumado a entender o habito da cidade pelos sons que ouvia vindo da rua através da janela, e que muitas vezes ficava acordado se algo sonoramente estranho se sucedesse. E que então as duas e vinte e dois da manhã, os cachorros da vizinhança toda começaram a uivar, e parecia que um monte de passos e sons de correntes se arrastavam pela rua. E que teve um grito que parecia ter saído de dentro do hospital. E que esse grito era tão forte, que fazia a gente sentir o horror da pessoa que estava dando esse grito. Disse que não dormiu tão logo, e que tudo aconteceu bem rápido. Acordou cedo com os sons que vinham da praça e que ao abrir a janela percebeu uma quantidade fora do comum de pessoas em frente ao hospital. Vestiu-se adequadamente pra rua, e que ao chegar alguém falou que havia bebês especiais no hospital trazidos por uma enorme...

-Frandainha, sua dismiolada! Fica prestando atenção nessa bosta de programa quero-desviar-a-atenção-dos-idiotas-que-caem-nisso-ainda, e esquece o que esta fazendo! Olha o que você fez no meu cabelo! Ta todo torto e vai ter que cortá-lo nessa altura agora. Pode contar quantos dedos você cortou ai, sua, sua, sua sem noção!
-[com cara de fiz merda porra!] Marciúda, mil perdões. Vou fazer um corte que nem vai parecer que houve algo de errado no seu cabelo.
E então Frandainha compara o tamanho das pontas em que ela ainda não havia cortado ainda com as que ela tinha cortado sem prestar atenção:
-Marciuda foram três dedos só de corte que eu fiz. Já tinha um tempão que seu cabelo não tinha um corte, da pra tirar toda a ponta queimada e fazer o cabelo ficar mais bonito.
-Não interessa! Pode terminar o corte então e já dou um jeito em você.

E então Frandainha terminou o corte com as mãos tremulas. Ai quando disse que o corte estava pronto, Marciúda grudou na mão direita de Frandainha com força e ajoelhou em cima da mão sobre o chão, pegou a lâmina de fazer pezinho, e disse: -Isso é pra você aprender a não ser tão desligada. E cortou três dedos de Frandainha que gritava de dor ao ver que não poderia mais trabalhar como cabeleireira. Marciunda tirou os dedos mínimo, anelar e médio.

Frandainha saiu correndo pedindo ajuda, enquanto as pessoas que estavam no salão olhavam praquela situação totalmente sem ação e com caras de senhor-caga-na-minha-cara. Marciunda deu uma olhada panorâmica pelo salão, se recompôs, respirou fundo, esticou calmamente a toalha que estava em suas costas na cadeira, pesou sua bolsa em cima da prateleira em frente ao espelho e saiu. Nunca mais voltou àquele salão.

Dois anos mais tarde, Frandainha estava trabalhando de assistente de um proctologista, e sua função era ser uma personal toker para os exames de próstata. Fazia oito meses que já não trabalhava como cabeleireira, e dizia não sentir falta de sua antiga profissão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do texto, principalmente, por que ao lê-lo pensei que no final fosse encontrar algum tipo de moralzinha, o que não foi o caso. Se bem que, pensando bem, fiquei com algo na cabeça: as coisas mudam mais rápido do que percebemos. Quando vê... mudou.

Agora, falando sério, me dá um desse aí! rsrs